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Queimar gordura e emagrecer: o papel das mitocôndrias
A mitocôndria, é um organelo microscópico celular que estudamos na escola, é responsável pela conversão de gordura em energia, e pode, assim, ser um fator importante de emagrecimento. Descubra neste texto como isso ocorre, como podemos evitar danificar as mitocondrias e o que podemos fazer para estimular o seu funcionamento.
Como humanos, possuímos cerca de 40 trilhões de células. No interior de praticamente todas as células encontramos as mitocôndrias - estruturas minúsculas responsáveis pela produção de energia para a célula. O seu número em cada célula varia de acordo com a necessidade de energia de cada órgão. Por exemplo, encontram-se em grande quantidade nas células do sistema nervoso (cérebro), do coração e nos músculos. No entanto, temos mitocôndrias no pâncreas, rins, fígado, espermatozóides etc. Uma falha na quantidade ou na função das mitocôndrias resulta num metabolismo menos eficiente e problemas nos órgãos que as possuem.
As funções das mitocôndrias no nosso organismo
A função mais conhecida é a produção de energia a partir dos alimentos. Ou seja, as mitocôndrias são como pequenas fábricas que usam o oxigénio que respiramos para “queimar” a glicose, a gordura e os aminoácidos absorvidos no nosso intestino. A este processo chama-se respiração celular. Elas são essenciais à vida e impactam no metabolismo e na performance desportiva.
As mitocôndrias também estão envolvidas na termogênese, na secreção de insulina, na “limpeza” e morte de células danificadas ajudando a evitar desequilíbrios e doenças crónicas como obesidade, cancro e diabetes.
Ao longo da vida, ocorrem danos nessas “fábricas” que faz com que deixem de funcionar corretamente e geram desequilíbrios no funcionamento do organismo.
Sintomas
A fadiga que não é aliviada com o repouso é o sintoma característico de alterações nas mitocôndria mas há outros sinais.
- Cansaço mental ou físico
- Baixa energia
- Sonolência
- Falta de memória
- Enxaquecas atípicas
- Sinais de envelhecimento precoce (ex. cabelos brancos)
- Menos resistência e necessidade de recuperação prolongada após atividade física
- Acumulação de gordura
Condições relacionadas com o excesso de peso como Hiperglicemia, triglicerídeos aumentados, hipertensão arterial, baixo colesterol HDL, circunferência da cintura aumentada tem relação com danos nas mitocôndrias e na diminuição da sua quantidade. O termo Síndrome Metabólica é usado para classificar a presença de pelo menos 3 dos parâmetros mencionados anteriormente (tabela 1). Além de doenças crónicas relacionadas com o peso, estudos têm mostrado cada vez mais a relação entre falhas nas mitocôndrias e fibromialgia, síndrome miofascial, síndrome nefrótica, falência renal, demência, autismo, ansiedade, doenças cardiovasculares, infertilidade masculina, entre outras.
Tabela 1
Fatores de risco associados à sindrome metabólica e definição dos parametros para seu diagnóstico.
Fator de risco | Parametros | Definição (Masculino/Feminino) |
---|---|---|
Obesidade central | Circunferência da cintura¹ | América: ≥102 cm/≥88 cm Ásia: ≥90 cm/≥80 cm Europa: ≥94 cm/≥80 cm África: ≥94 cm/80 cm Oriente Médio: ≥94 cm/80 cm |
Hipertrigliceridemia | Concentrações de triglicerideos | ≥150 mg/dL |
Níveis baixos de colesterol HDL | Níveis de colesterol HDL | ≤40 mg/dL / <50 mg/dL |
Hipertensão | Pressão arterial sistólica/diastólica | ≥130/85 mmHg |
Hiperglicemia | Glicemia plasmática em jejum | ≥100 mg/dL |
(1) A definição desta medida varia entre as regiões.
HDL = Lipoproteína de alta densidade.
Ameaças às mitocôndrias
Além de mutações herdadas no DNA mitocondrial da mãe e erros naturais, alterações nas mitocôndrias podem ser impulsionadas por fatores como:
- Metais tóxicos como o alumínio (latas, água, utensílios de cozinha, panelas, desodorizantes, cápsulas de café), mercúrio, cádmio, arsênio.
- Poluição do ar
- Agrotóxicos (pesticidas organofosforados, fungicidas)
- Poluentes orgânicos persistentes (PCB´s, dioxinas, furanos, bisfenol A)
- Consumir muitas calorias (dieta ocidental rica em açúcares e/ou gordura)
- Alimentação pobre em vitaminas e minerais
- Hiperglicemia e resistência à insulina
- Alguns medicamentos (como antibióticos contendo fluoroquinolonas, fluoxetina, paracetamol, aspirina, antidiabéticos como metformina, “fibratos” para regular o colesterol)
- Tabaco e excesso de álcool
- Stress crónico
- Deficiência ou excesso de ferro
- Sedentarismo
Hábitos que aumentam a saúde das mitocôndrias
- Jejum superior a 12h
- Restrição energética e praticar exercício, induzem sinalização celular para “queimar” gordura e sintetizar mais mitocôndrias.
- Fazer exercício em jejum alternando com o estado alimentado (gerar flexibilidade metabólica)
- Dieta cetogênica (imita a fome, forçando o corpo a usar gordura como fonte de energia, mais usada em casos específicos e não como 1ª intervenção)
Alimentação para as mitocôndrias
Nas mitocôndrias ocorrem várias reações químicas que requerem a presença de vitaminas como o complexo B e minerais como o Ferro, além de polifenóis e outros compostos que atuam como antioxidantes. Na prática, cuidar da saúde das mitocôndrias significa ter uma dieta com predominância de legumes e vegetais variados, peixe e gorduras como o azeite, típica da Dieta Mediterrânica.
- Azeite (contém ácido oleico e polifenóis com poder antioxidante, anti inflamatório, melhoria da sensibilidade à insulina, pressão arterial)
- Peixes azuis, ovos e nozes (pelo ómega-3 com efeito anti-inflamatório, melhorias dos níveis de gordura no sangue)
- Laticínios, peixes e carnes (fontes de B1, B2, B3, B5, B6, B7, B12)
- Kiwi, goiaba, frutas cítricas (fonte de vitamina C essencial na “queima” de gordura e atuando como antioxidante)
- Cenouras, batata-doce, espinafres, fígado (contém retinol ou vitamina A)
- Banhos de sol diários, peixe e gema do ovo para obtenção de vitamina D (atua como regulador da respiração celular para evitar excesso de espécies reativas de oxigénio)
- Abacate, folhas verdes, sementes de girassol, nozes são fontes de Vitamina E (antioxidante mais importante nas membranas celulares)
- Nozes, cogumelos, peixes e carnes que fornecem zinco e selênio envolvidos na síntese de novas mitocôndrias.
- Chá verde (as catequinas atuam como antioxidantes e ativam outras enzimas com poder antioxidante)
- Casca da uva tinta, cacau, mirtilos, morangos, ameixas e outros frutos de cor roxa (possuem resveratrol um polifenol antioxidante)
- Tomate maduro, melancia, melão e toranjas fornecem licopeno (melhor absorvido com azeite ou outra gordura)
- Alho picado e cebola (fonte de compostos organossulfurados)
- Água
- Selénio, carnitina
Suplementação para as mitocôndrias
O melhor remédio está nas nossas mãos: barato, saboroso e próximo - a alimentação. No entanto, a fórmula exata não existe, talvez porque seja específica para cada sujeito e é aqui que entra a Nutricionista para ajudar a ajustar estas orientações ao seu organismo. Estando garantido um bom aporte nutricional via alimentação e o alinhamento do estilo de vida, pode ser necessário o recurso a suplementação em condições específicas e de acordo com o valores das análises clínicas. Alguns compostos usados para auxiliar a mitocôndria incluem Aceti-L-Carnitina (essencial na Beta oxidação da gordura), Ácido lipóico, co-enzima Q10, taurina. A sua eficácia como tratamento para distúrbios mitocondriais permanece controversa. A sua aplicabilidade deve ser vista caso a caso.
Uma alimentação equilibrada e variada é a estratégia terapêutica mais valiosa para melhorar o estado metabólico global, entre outros, através do aumento da função mitocondrial. Consumir os nutrientes de forma isolada, como suplementos alimentares, pode ser perigoso. O excesso da maioria deles é tão ruim quanto a sua deficiência. Por exemplo, uma alta ingestão de vitamina B3 (niacina) pode resultar em resistência à insulina, e vitamina C e E consumidas em excesso promovem atividade pró-oxidante em vez de função antioxidante. Na maioria dos casos, o equilíbrio é a chave para obter efeitos saudáveis dentro de uma dieta. Este também é o caso da ingestão de alguns alimentos, como peixes gordos, com efeitos saudáveis por sua composição em ômega 3, mas também propensos a acumular vestígios de alguns metais pesados e outros poluentes com efeitos tóxicos no sistema nervoso, mas também no cardiovascular.
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